Em conversa de café com um amigo de infância em que, inevitavelmente, a atual situação de crise teria de vir à mesa, fizemos o ponto da situação do que se estava a passar e com reações do Zé Povo, que aqui e ali, iam redondando numa e outra greve, das mais complicadas  a dos professores que mantiveram um “braço de ferro” com o M.E. e, ultimamente, a das forças policiais onde a “tomada da Bastilha” esteve quase iminente e outras que daqui advirão perante este neo liberalismo que tudo destrói, até a própria dignidade das pessoas.

Acrescido ao que, desde uns tempos a esta parte, a maioria dos direitos adquiridos iam sendo paulatinamente postos para trás das costas por  um governo que não olha a meios  para nos ir usurpando e sugando daquilo que por direito nos pertencia, a pretexto de uma dívida gigantesca que ainda há-de sobrar para os nossos netos e sem que lhes caiba qualquer culpa, víamos o presente tão tenebroso que poucas esperanças eram expetáveis para um futuro bem próximo.

Não que ao meu amigo e à minha pessoa a crise atual pudesse assim fazer tanta mossa pois já íamos caminhando para o acaso da nossa meta vivencial mas temíamos, isso sim, que as consequências dela acabassem por matar o doente mais pela aplicação exaustiva de cortisona em alta dose, vulgo austeridade excessiva, que propriamente pelo estado do doente que o tinham anestesiado de tal forma que já nem sentia as dores do parto de tal crise mas sem que ele o solicitasse ao médico governamental.

– Eh, pá – desabafava o meu amigo – isto já não tem cura possível, esses filhos da p— têm dois pesos e duas medidas, uma para os boyzinhos do partido e dessa comandita toda que lhes lambe as botas e outra para o Zé que já está tão sugado dos ossos  que só lhe resta mesmo pedir que o matem de vez e lhe pendurem o esqueleto no parlamento para essa corja ver o filme dos mortos vivos!…

– Tens razão, amigo. Cada vez que olho para o Facebook é só lamúrias de gente anónima perante a desfaçatez do sistema que liberta uns que roubaram milhões como nos BPN’s e afins ou aquele outro autarca  que tardou em visitar os calabouços por desvio de fundos para Offshores, usando e abusando dos meandros recônditos da lei,  mas prende, em julgamento sumário e com o pagamento de uma multa acrescida, um cidadão comum  inconformado pelo atual estado de coisas e que, supostamente, terá insultado  Sua Excelência o P.R. com um:  “vai trabalhar” !

– Se queres que te diga, quanto mais vejo menos enxergo. Isto está assim tão mau mas nem por isso se vê que a tal reforma do estado propalada avance e  que se diminuam ao número de deputados e se acabe de vez com pensões vitalícias vergonhosas, quando ao Zé ainda lhe sugam mais uns míseros euros da sua pensão mínima ou até que façam desaparecer não sei quantos mais Rendimento de Inserção Social a pretexto de haver nas famílias um membro que também aufira a sua pensãozita ganha com os descontos do suor do seu rosto! Isto, sim, é que é desumano.

– É, vizinho, é isso. No tempo do Salazar também não havia nada disto e as pessoas lá iam aguentando. Os meus velhotes nunca tiveram qualquer ajuda do estado e o pouco que me deixaram foi fruto do seu trabalho e morreram a trabalhar ainda na vetusta idade dos oitenta. Agora também há por aí muitos safados que foram chupando o dinheiro de pseudo reformas de invalidez e tinham bom costado para trabalhar, mas está quieto que o trabalho péla…

– É por essas e por outras que chegamos onde estamos. E sem fim à vista!

Como em sintonia, ambos voltamos ao tempo da velha Senhora e recordamos tempos difíceis sobretudo para as crianças descalças daquele tempo.

E prosseguiu o meu amigo:

– Lembras-te como a malta da nossa rua arranjava uns trocados, apesar da vida maldita e de fome que os nossos passavam lá em casa ?

– A quem o dizes! … E olha que tínhamos mais imaginação para o negócio que o ministro Gaspar! Era tudo “limpinho”, como diz o outro.

– A minha mãe, que Deus a tenha – uma bênção de sinal da cruz – só não tirava da carne dela porque não podia. Quando a comida rareava  e começava e acabava na sopa de massa com feijão e couves nem o peixe desaguava no prato, disfarçava sempre uma lágrima de revolta. Aí, eu criança dos meus seis ou sete anitos logo percebia que poderia amenizar um pouco. No  dia seguinte, ainda mal dormido, armado de um saco de linhagem, ia aos ossos ou aos papéis, e aqui e ali, algum metal que aparecesse para vender à ti’ Luzia, no Norte, a dois tostões o kilo e que logo entregava à minha mãe.  Lá no cais conseguia sempre uma ou duas buzinas dadas pelo ti Miguel. De tarde, andava à caça dos charréus em ratoeiras de arame e  mesmo esses passavam a fazer parte do menu.

– Tens razão, amigo. Estás a lembrar-me coisas daquela altura que bem quereria tentar esquecer mas parece que voltamos de novo àqueles tempos. Até na sopa dos pobres parece-me agora tudo tão igual !…  Também a rifa era igual lá por casa. Tantas e tantas vezes ia ao rio com o Torcatinho para trazer umas solhazitas para casa, enquanto o meu irmão Tóne  lá tentava  a sorte aos mujos, robalinhos ou o que aparecesse pois sempre dava para mitigar a fome. Só que agora  a pobreza é envergonhada e deve custar muito mais pois muita desta gente viu ruir como em terramoto uma vida farta que nunca imaginaria que tal acontecesse.

– Recordas-te do pão e do queijo amarelo e do óleo de fígado de bacalhau que a canalha angariava na cantina escolar ?

– Pois e eu não sou dessa altura ? Graças a Deus – e não é que fosse dos mais remediados pois a fome lá por casa vinha sempre disfarçada do necessário que nem me terei apercebido dos que não tinham mesmo nada para cear – mas por ser criança, a minha mãe lá foi pedir à dona Júlia e à dona Hortência para me deixarem fazer parte da lista daquelas crianças.

– Mas o óleo de bacalhau aquilo é que era mesmo amargo de engolir mas diziam que fazia bem ao organismo contra certas doenças da altura, à falta de certas vacinas de agora.

– O que valia mesmo era a sopa da cantina que nos enchia o papo para o dia todo. Tinha imensa pena  dos nossos colegas de Góios pois  esses desgraçados ainda tinham de vir a calcantes e em dias de chuva com uma simples linhagem por cima das cabecitas. Quando chegavam à escola tinham de se dependurar nos cabides para secar !… Miséria aquela, nossa, o que nós passamos, meu !?

– Mas sabes uma coisa, parece que agora já estamos vacinados para tudo e mais alguma coisa. Só não entendo é a destes Pinóquios que mentem com tantos dentes têm e o que agora é verdade logo mais é mentira. Eu até estou a pensar em não votar mais daqui para a frente. São todos um circo ambulante, como dizia o outro, mas o mal é que os palhaços é que somos nós, o Zé Pacóvio, que tem de engolir tudo a seco…

– Olha, isto anda tudo a mando de meia dúzia de figurões que controlam todo o esquema. A linguagem é sempre a mesma: “Aguenta, aguenta…”, já dizia o outro, ou ainda aquele ” se Sra. Merkel diz que está bem é por que está tudo bem !…”. Isto dá-me cá uma gana, meu. Já estou por tudo, pá.

– Está-se mesmo a precisar de “Um governo de salvação nacional”, como diz o articulista de Opinião, Borges de Pinho, Juíz Conselheiro Jubilado ( sic C.M. p.p. 17 – 14/06/2013).

– Bem, amigo, quando a gente se voltar a encontrar que a coisa esteja melhor. Prazer em ver-te.

– Inté, meu.

 

MAX

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