– Mãe, este fim-de-semana não como em casa pois vou com a turma ao Festival de Vilar de Mouros e só volto lá p´ra Segunda, à noite.

– E quem vos leva e traz? – Quis saber a progenitora, um tanto preocupada pois queria-o em casa a horas de não faltar à explicação de Matemática.

– Olha, vamos no jeep do pai de um colega nosso, pois o Luís já tirou a carta. Aquilo toca uns Euros a cada um, de modo que levamos uns sacos-cama e a malta desenrasca-se.

– Filho – atacou o pai – vê lá que não façais desacatos nem andeis na droga, que é o que se vê tanto por aí!…

– Descansa, o meu grupo não alinha nessa. Bastam umas Cocas Colas e uns frios e o resto a gente topa lá.

A Ismael, para além dos estudos, não lhe sobrava muito mais tempo pois metera-se ainda no futebol, no coro da igreja e num conjunto rockeiro e aquele festival era mais uma ocasião para ouvir o último grito pop, techno, rap e reggae, linguagem que dominava de trás para a frente, para não falar dos êxitos dos actuais desde a “avó” Tina Turner, aos David Bowie, Michael Jackson, Madona e outros mais de nomes esquisitos.

– Pai, conheceste os Pink Floyd?

– Claro! Ou pensas que no meu tempo não havia discos? Eles e os Queen continuam a ser ainda do melhor que há. Um dos seus êxitos, em 73, The Dark Side of The Moon, foi um sucesso na altura. Quem esqueceu o seu guitarrista David Gilmour, o baterista Nick Mason, o teclista Richard Wrigt ou o baixista da banda Roger Waters?

– Puxa, ainda os recordas?!… São mesmo beras, os tipos. Então essa música é mesmo bestial. O baterista do meu grupo passou no leitor CD e estamos tentados a tocá-la. Por falar nisso, tens músicas que se vejam nos teus antigos discos de vinil?

Alex levou o filho ao seu cantinho discográfico, feito quase museu e que ocupava parte significativa do móvel da sala de estar, atulhado de CD.s, DVD.s e respectivas aparelhagens de apoio e que já não tinha mais espaço para pôr fosse o que quer que fosse, para além da livrarada, o mais variada possível, que pedia licença para continuar a ocupar o seu espaço exíguo, à espera da largueza suficiente de se mostrar, por reforma de qualquer excedente ou desactualização dos seus comparsas daquele mostruário. Encontrado o azimute dos vinis, cada bufarada de pó fez surpreender o garoto, sobretudo os discos de 78 rotações, provocando-lhe um espanto inusitado.

– Tens aqui os Rolling Stones! – Admirou-se Ismael –  Quem foi a Janis Joplin? – retorquiu.

– Olha, imita-lhe os êxitos, não a forma de viver: morreu de overdose!

– Puxa, pai, o Mick Jagger …os Who … Led Zeppelin! Olha aqui, os Bee Gees (…)

Alex reviu-se no tempo.

(…)

Acabava de chegar de mais um fim-de-semana do tirocínio da sua especialidade militar, atirador de infantaria que, por sinal, era o último, antes de embarcar para o Ultramar. Tempos antes, metera-se também num conjunto Pop que, a princípio, funcionou nuns forrinhos, ali pró lados da Central.

À falta de instrumental eléctrico apropriado, ia-se improvisando com umas violas acústicas a que se acoplava um mini- amplificador e simulando a bateria, fazia-se o beat em cima duma mesa ou cadeira. A princípio, eram mais os instrumentistas que os instrumentos, mas passados uns tempos, lá foi possível compor o instrumental e houve até um elemento que, a custas próprias, comprara a bateria, ou melhor, parte da bateria, que se limitava ao bombo, caixa e prato!

Ainda se desenrascou uma amplificação, já em desuso na matriz, mas o feed back era tanto que azocrinava os ouvidos. Para não parecer mal, teve de alugar-se uma para a primeira actuação, no salão paroquial de Gandra. O convidado especial foi frei Hermano da Câmara. Parece que a estreia agradou, mas o final ficou para o fadista que bisara o Eu me entrego todo a Cristo. Um êxito!

Os ensaios foram mudando de poiso até acabarem na cantina da escola, à noite. Não se podia xinfrinar muito pois tinha-se a GNR à porta! O conjunto, ETC de nome, ganhava fama pelas redondezas e, daí em diante, por imperativos de vidas, os seus elementos foram rodando. Tornara-se convidado de vários bailes no concelho e até em distritos vizinhos. Actuara nos velhos Bombeiros, em bailaricos de final de ano e Carnavais e passara também no Núcleo, club de confraternização de muitos dos esposendenses de então.

Tocava-se de tudo, desde o tango à valsa, do twist ao slow, e os cantores e êxitos da altura: Roberto Carlos, Adamo, Sheila, Alain Barrière, John Holliday, Silvie Vartin, Camilo Sesto, Charles Aznavour, entre tantos outros. Mas os mais solicitados eram os românticos brasileiros: Wanderley Cardoso, Wilson Miranda, Lindomar Castilho, etc. Os pombinhos solicitavam  O que é que você vai fazer no Domingo à tarde? ou Espere um pouco, um pouquinho mais do Nelson Ned. Para a malta da pesada havia os grupos ingleses e americanos: Beattles, Led Zepellin, Jim Morrison, Doors, Stevie Wonder, Bee Gees, Génesis, Dire Straits, Police, U2, Deeep Purple e o mais em voga.

Pelo meio, ficaram noitadas bem passadas e o calcorreio de terreolas meio desconhecidas, no velho furgão a gasóleo onde se ia, como sardinha enlatada, para dar espaço à aparelhagem e colunas de amplificação. Mais tarde, acabaria por desfazer-se e os instrumentos divididos entre os componentes da altura.

Triste sina a do seu fim que acabaria também, mais tarde, com o infortúnio de três dos seus antigos elementos. Paz às suas almas.

(…)

– Pai?

– Diz, filho, então, topaste o que querias?

– Sim, só não sei como posso ouvir estas relíquias!?

– Ora, rapaz, puxa aí desse gira-discos.

– O quê, esta geringonça? Dá-se à manivela?

– Não, puto, isso era no século passado.

– Porreiro!… Fixe, meu! Vou levar à malta, posso?

– O.K., meu, “estás nessa”?

– Não gozes!…

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